*Texto elaborado por Renata Alves Carnauba – Departamento Científico da VP Consultoria Nutricional e Andréia Naves – diretora da VP Consultoria Nutricional.2011.
Diariamente, entramos em contato com cerca de 60 mil compostos tóxicos. Nestes, podemos incluir medicamentos, metais tóxicos, aditivos alimentares, agrotóxicos, poluentes do ar, migrantes de embalagem e outros (1), conhecidos também como xenobióticos.
Sempre que o nosso organismo entra em contato com alguma toxina, inicia-se um processo de destoxificação, que visa a eliminação dessa substância; seja em nível celular ou orgânico. A destoxificação ocorre em todas as células, mas principalmente nas do fígado e do intestino(1).
As reações de destoxificação dão-se por um processo dividido em três fases. As reações de Fase I, também chamada de biotransformação ou bioativação, são realizadas por várias enzimas, e entre elas podemos citar o citocromo P450, que é o principal sistema enzimático responsável por este processo(2). Quando a toxina é biotransformada ela está na verdade sendo preparada para a reação de conjugação, conhecida também como fase II. As reações de fase II têm os objetivos de transformar as toxinas em moléculas passíveis de excreção e hidrossolúveis, além neutralizar sua possível reatividade (1). Após terem sido metabolizadas nas fases I e II, a ex-toxina, agora um metabólito excretável, será transportada para a circulação. Esta ação é realizada pela P-glicoproteína (Pgp), que transporta o metabólito para sua eliminação, seja nas vias biliares, tecido renal ou ainda no intestino, também chamada de fase III (3,4).
Existem muitas evidências que nos permitem afirmar que a nutrição influencia de forma determinante em como destoxificamos (1). Para a síntese do complexo enzimático P450, por exemplo, vários nutrientes são importantes, como ferro, cobre, zinco e vitamina B12 (5). Além desses, uma série de fitoquímicos presentes nos alimentos modulam reações do citocromo P450 e de conjugação (1).
A ingestão dietética de frutas e verduras é muito importante para esse processo, pois estes alimentos contém vitaminas, minerais, aminoácidos e fitonutrientes, que são cofatores necessários para as reações de fases 1 e 2, protegendo também contra o estresse oxidativo, inflamação e lesão mitocondrial induzida pelas toxinas. Especula-se que a composição desses alimentos seja, ao menos parcialmente, responsável por esses efeitos benéficos (5,6).
Dentre os alimentos mais eficazes para ajudar a destoxificação podemos citar as Brássicas, que inibem enzimas de fase I e aceleram enzimas de fase II, que determinam a destoxificação de compostos potencialmente tóxicos (7,8); a toranja (grapefruit), que possui a capacidade de modular as reações de fase I e II por meio da ação enzimática (9); o cúrcuma, que acelera enzimas de fase 2 e também possui capacidade de aumentar a atividade de reparo de DNA contra danos induzidos pelo arsênico (10); o chá verde, que estimula as reações de fase I e II através da ação enzimática, podendo aumentar em até 30 vezes uma das principais enzimas da reação de fase II; entre outros.
A toxicidade de diversos agentes tóxicos em seres humanos tem sido amplamente investigada, sendo relatado o aumento da incidência de disfunções do sistema endócrino de seres humanos. Estudos têm sugerido que a exposição a essas substâncias provoque possíveis alterações na saúde humana envolvendo o sistema reprodutivo, como câncer de mama e de testículo, endometriose e infertilidade, entre outros; além de distúrbios de comportamento e doenças auto-imunes (11,12).
Tais substâncias são chamadas de interferentes endócrinos. Interferente endócrino pode ser definido como substância química exógena, natural ou sintética que, mesmo presente em concentrações extremamente baixas, tem o potencial de causar efeitos adversos na saúde por interferir no funcionamento natural do sistema endócrino podendo causar câncer, prejudicar o sistema reprodutivo, entre outros (13,14). Embora banidas, muitas dessas substâncias ainda permanecem e permanecerão por muito tempo na natureza devido a sua alta estabilidade (14).
Existem diversas formas de contaminação por meio da cadeia alimentar em humanos. Exemplo disso são os agrotóxicos, migrantes de embalagens e contaminantes presentes em produtos de origem animal.
Os alimentos de origem animal geralmente são contaminados na fase da criação desses animais, em que é comum o uso de agentes anabolizantes nas rações, e que acabam sendo encontrados nos produtos derivados consumidos em quantidades permitidas pela legislação, desde que respeitadas as doses indicadas e o período de aplicação (1,11).
Embalagens plásticas podem conter constituintes inorgânicos os quais podem migrar para o alimento (15), apesar de ser uma migração pequena, a detecção dos efeitos biológicos na exposição em curto prazo não é possível de ser avaliada, entretanto, após longos períodos de ingestão, manifestações tóxicas sutis e de difícil detecção poderão ocorrer (1).
O rápido aumento de compostos químicos no ambiente coincide com o aumento da epidemiologia da obesidade nos últimos 40 anos. Além disso, evidências científicas sugerem que a exposição a certas toxinas que mimetizam a ação dos hormônios pode contribuir para o aumento da obesidade em humanos e modelos animais (16).
Tem sido mostrado que poluentes ambientais como POPs, pesticidas e bifenilas policlorinadas (PCBs) acumulam no tecido adiposo após a exposição. Foi evidenciada também que a exposição ao Bisfenol A (BPA) afeta o transporte de glicose no tecido adiposo e altera a funcionalidade endócrina dos adipócitos, sendo que em doses ambientalmente relevantes inibem a liberação de uma adipocitocina chave protetora contra a síndrome metabólica (16,17).
Evidências patológicas e laboratoriais sugerem que o arsênico, mercúrio, chumbo, POPs e possivelmente BPA, interagem com o funcionamento das células pancreáticas Langerhans, afetando consequentemente a produção de insulina (18). A exposição oral a baixas doses de mercúrio através de amálgamas dentárias, do consumo de peixes e vacinas, diminui os níveis plasmáticos de insulina e eleva assim a glicemia e a intolerância à glicose, além de aumentar o estresse oxidativo, induzir citocinas inflamatórias e promover lesão mitocondrial (6,18).
A determinação de uma quantidade de ingestão segura dessas substâncias não significa que sejam inócuas, e sim, que com os avanços tecnológicos tornou-se possível a não identificação de alterações significantes na saúde nos animais em que foram realizados os testes. Tem-se ainda que considerar as interações múltiplas entre os diferentes compostos tóxicos, que só ocorrerão dentro do organismo de cada um e serão metabolizados de forma única (1).
A maneira mais segura para a saúde seria a redução do consumo dessas substâncias, reduzindo o consumo de produtos industrializados e dando preferência aos alimentos orgânicos, que conferem maior proteção destoxificante, antioxidante e de fitonutrientes antiinflamatórios; reciclando e reutilizando materiais cuja decomposição no meio ambiente é lenta e fonte de liberação dos tais poluentes (11,16).
Referência Bibliográfica:
1- PASCHOAL, V.; NAVES, A.; FONSECA, A.B.B.L. Nutrição Clínica Funcional: dos princípios à prática clínica. 1 ed. São Paulo: VP editora, 2008.
2- KROHN, J,; TAYLOR, F.A.; PROSSER, J. The whole way to natural detoxification. Vancouver: Hartley & Marks Publishers, 1996.
3- CAMPOS, S. P-Glicoproteína. Disponível em: Acesso em: 17/05/2010.
4-JONES, D. Textbook of functional medicine. Florida: The Institute for Functional Medicine, 2006.
5- OGA, S. Fundamentos de toxicologia. 2ª ed. São Paulo: Atheneu, 2003.
6- HYMAN, M. A. Environmental toxins, obesity, and diabetes: an emerging risk factor. Altern Ther Health Med.; 16(2):56-58, 2010.
7- DEKKER, M.; MCNEILL, J.; BARRIE, F.R. et al. International code of botanical nomenclature (Saint Louis Code). Germany: Koeltz Scientific Book, 2000.
8- STEINKELLNER, H.; RABOT, S.; FREYWALD, C. et al. Effects os cruciferous vegetables and their constituents on drug metabolizing enzymes involved in the bioactivation of DNA-reactive dietary carcinogens. Mut Res; 480-481:285-297, 2001.
9- HAHN-OBERCYGER, M.; STARK, A.H.; MADAR, Z. Grapefruit and oroblanco enhance hepatic detoxification enzymes in rats: possible role in protection against chemical carcinogenesis. J Agric Food Chem;53(5):1828-32, 2005.
10- MUKHERJEE, S.; ROY, M.; DEY, S. et al. A Mechanistic Approach for Modulation of Arsenic Toxicity in Human Lymphocytes by Curcumin, an Active Constituent of Medicinal Herb Curcuma longa Linn. J Clin Biochem Nutr; 41(1):32-42, 2007.
11- FONTENELE, E.G.P.; MARTINS, M.R.A.; QUIDUTE, A.R.P.et al. Contaminantes ambientais e interferentes endócrinos. Arq Bras Endocrinol Metab.;54(1):6-16, 2010. 12- GHISELLI, Gislaine; JARDIM, Wilson F. Interferentes endócrinos no ambiente. Quím. Nova, São Paulo, v. 30, n. 3, June 2007.
13- LAHOUEL, M. et al. Effet protecteur des flavonoïdes contre la toxicité de la vinblastine, du cyclophosphamide et du paracétamol par inhibition de la peroxydation lipidique et augmentation du glutathione hépatique. Pathologie Biologie; 52 (6):314-322, 2004.
14- ALVES, Crésio et al . Exposição ambiental a interferentes endócrinos com atividade estrogênica e sua associação com distúrbios puberais em crianças. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 23, n. 5, May 2007.
15- SOARES, P.E.; SAIKI, M.; WIEBECK, H. Avaliação da migração de elementos de embalagens plásticas de alimentos para soluções simulantes pelo método radiométrico. INAC; 2005.
16- NAVES, A. Nutrição Clínica Funcional: Obesidade. 1ª ed. São Paulo: VP editora, 2009.
17- LATINI, G.; GALLO, F.; LUGHETTI, L. Toxic environment and obesity pandemia: Is there a relationship? Italian Journal of Pediatrics; 36:8, 2010.
18- SHARP, D. Environmental toxins, a potential risk factor for diabetes among Canadian Aboriginals. Int J Circumpolar Health; 68(4):316–326, 2009.